Depois da pandemia, como ficarão as condições de trabalho?

A pandemia foi responsável por uma brusca alteração do cotidiano. Muitas empresas passaram a aderir ao home office, em prol da segurança dos funcionários, e mesmo as que se mantiveram com trabalho presencial acabaram se deparando com diversas mudanças. Mas qual a projeção dos especialistas para o futuro das condições de trabalho no Brasil, num contexto em que a pandemia já não for mais uma preocupação?

Antes de entender o que pode ser no futuro, é preciso observar o presente. Por isso, o diretor executivo de Recursos Humanos do Grupo Carvalho Operações, Tálisson Carvalho, explica ao Canaltech de que maneira a COVID-19 impactou as condições de trabalho.

“O ‘novo normal’ trouxe inúmeras mudanças para a área de gestão de pessoas nas organizações. Os impactos do coronavírus foram gigantescos na área de RH, já que todo o setor foi obrigado a desenvolver e aplicar novas tecnologias e formatos de trabalho. Afinal, o setor é o principal responsável por conduzir as decisões e mudanças junto com os líderes das organizações”, afirma o diretor.

Como principais desafios de gestão de pessoas nesse momento complexo, Tálisson menciona a adaptação ao trabalho remoto, novos usos da tecnologia, mudanças no recrutamento e seleção, necessidade de treinamentos a distância, crescimento da importância dos feedbacks e demissões em grande escala.

Condições de trabalho atuais

Enquanto isso, Ana Elisa Almeida, médica e professora de infectologia do Jaleko (plataforma de streaming com conteúdos voltados aos estudantes de medicina), explica quais são as recomendações para se proteger da COVID-19 no trabalho, que quem está exercendo sua profissão presencialmente nesse momento deve seguir: usar máscara que se ajuste bem ao rosto, cobrindo nariz e boca, é a principal.

“Evitar máscaras com válvulas ou aberturas para não ocorrer escape de partículas virais. Se a máscara for de tecido, importante que tenha duas camadas ou mais e que seja um material lavável. Para funcionários que trabalham com alto risco de contaminação e/ou idosos e/ou com comorbidades, a OMS recomenda o uso de máscaras de uso médico (máscara cirúrgica ou N95/PPF2)”, aponta a especialista.

Praticar o distanciamento social, garantir que no local de trabalho se mantenha um distanciamento mínimo de 2 metros entre as pessoas, evitando aglomerações ou hiper lotação e higienizar as mãos com álcool a 70% ou com água e sabão com frequência também são medidas que os trabalhadores devem seguir no cotidiano. “Isso é especialmente importante depois de ter estado em locais públicos ou tocar em superfícies que muitas outras pessoas também tocam, como maçanetas ou corrimãos”, observa.

Nos refeitórios, a médica recomenda além de distanciar as mesas, colocar barreiras físicas, caso a mesa seja compartilhada, e diminuir a capacidade de lotação do refeitório. “Antes, durante ou após o período de funcionamento, reforçar a limpeza do ambiente com álcool a 70% e/ou preparações antissépticas ou sanitizantes de efeito similar. As superfícies de toque devem ser higienizadas, no mínimo, a cada 2 horas”, orienta.

A infectologista também recomenda ambientes com boa ventilação e capacitações frequentes dos funcionários para conscientização sobre a COVID-19. “Colaboradores com sinais e sintomas suspeitos de COVID-19 devem ser avaliados e isolados, se tiverem diagnóstico positivo”, determina a médica.

Sob o ponto de vista da psicóloga Alessandra Augusto, pós-graduada em terapia sistêmica, tem acontecido um impacto na saúde mental de todos os trabalhadores. A especialista destaca principalmente a ansiedade, um dos fatores que tem crescido muito. “Nós que estamos passando por essa pandemia, estamos sofrendo com esse transtorno por conta das incertezas: o que vai acontecer, as formas de contaminação, quais são os avanços em relação à doença. Nós temos a sensação de muitas incertezas, pouco conhecimento. Isso colabora com a ansiedade”, observa.

A psicóloga destaca também o medo de contaminação e o medo de precisar ser hospitalizado. “Os grandes transtornos de fobia também têm aumentado. Juntamente com isso, a tristeza. A tristeza de perder seus entes queridos, trabalhos, desencadeando assim a depressão”, analisa.

No entanto, de acordo com a psicóloga, hoje em dia a saúde do trabalhador é vista com muito cuidado. “Agora entendemos esse colaborador não somente como um funcionário. É um indivíduo social. Então se a casa não está bem, se o transporte demanda muito sacrifício, isso afeta na produtividade. Hoje o olhar para a saúde do trabalhador é com muito cuidado, levando em consideração todos os fatores socioeconômicos”, reflete a especialista.

Após a pandemia

Ainda não sabemos quando essa situação vai passar. Mas quando passar, ainda precisaremos seguir essas medidas no trabalho por um tempo? Como vai ser? Os especialistas trazem à tona seus pontos de vista. A infectologista Ana Elisa ressalta que em relação ao futuro, ainda há muitas incertezas.

“Precisamos de mais estudos científicos, com o tempo, para sabermos por quanto tempo será a duração da resposta protetora da vacina, se a vacinação irá propiciar “imunidade de rebanho” e tantas outras ponderações. São respostas necessárias para podermos orientar em como será as medidas sanitárias no futuro”, observa a médica.

No entanto, a professora de infectologia acredita que a pandemia tenha mudado definitivamente a percepção das pessoas sobre as doenças e sobre tomar certos cuidados. “A pandemia evidenciou o mundo microscópico, mostrando, inclusive, o seu impacto patogênico. Passamos a atentar para atos simples, como a higiene das mãos, que são extremamente efetivos na eliminação de germes há anos e que, antes da pandemia, eram banalizados em algumas circunstâncias”, disserta. Para a médica, a tendência é que esses hábitos se mantenham.

Questionado se os especialistas de recursos humanos já têm uma estimativa de como serão as condições de trabalho depois da pandemia, Tálisson afirma: “A conclusão é que a retomada do emprego no país será bastante lenta, principalmente para os serviços não essenciais. Mas, com algumas áreas de atuação, como saúde, recursos humanos, tecnologia e vendas, se destacando positivamente na ponta do processo após a pandemia”.

No que diz respeito à vacina, e se os patrões podem determinar que os funcionários tomem a vacina, quando ela estiver disponível para todos, o diretor executivo relembra que, em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a vacinação contra a Covid-19 é obrigatória e que sanções podem ser estabelecidas contra quem não se imunizar. Na visão de Tálisson, essas medidas devem ser implementadas pela União, estados e municípios.

“É importante ratificar que do ponto de vista organizacional, o risco ainda é muito alto. A tendência é orientar todos os colaboradores, através de campanhas internas, comunicados, interações, entre outros. Se a empresa aplicou um regulamento interno de regras e condutas sobre à campanha de vacinação da COVID-19, cabe aos empregados observarem as normas de segurança e aplicar programas de conscientização, juntamente com a equipe de técnico e medicina do trabalho”, aponta o especialista.

A infectologista observa que o indivíduo é considerado imunizado duas semanas após a série completa da vacinação. Porém, mesmo com a imunização, as medidas de precaução, como o uso da máscara, deverão ser mantidas. “Isso porque nenhuma vacina é 100% eficaz e apesar de algumas evidências sugerirem que pessoas vacinadas têm menor probabilidade de ter infecção assintomática e potencialmente menos probabilidade de transmitir SARS-CoV-2 a outras pessoas”, explica.

A médica ainda afirma que uma investigação mais aprofundada precisa ser realizada para melhores definições clínicas. “Então até termos mais estudos sobre o tema e os brasileiros continuarem vulneráveis a quadros graves por conta de doses insuficientes para vacinação da grande parte da população, as medidas básicas de prevenção devem ser mantidas”, ressalta.

Seguindo sua estimativa, o diretor executivo aponta que o home office deve continuar uma tendência mesmo após a pandemia, “principalmente pela evolução da tecnologia e adaptação do novo normal”, e acredita que as medidas restritivas que hoje em dia se estabelecem nas empresas ainda deve continuar mesmo por um tempo depois da pandemia, “principalmente pelas novas práticas de cuidados e melhorias de segurança organizacional”.

Impactos a longo prazo

Para Tálisson, o principal impacto a longo prazo que a COVID-19 deve trazer para os trabalhos dos brasileiros é a diminuição da renda das empresas e o baixo potencial para manter remunerações elevadas.

Já para Ana Elisa, deve-se esperar mudanças nas relações de trabalho, com maior entrega no digital e nos serviços de delivery, além de flexibilização de horários, com possibilidade de turnos em home office e relações mais humanizadas. “Mudanças econômicas, com atual desorganização econômica e posterior reascensão, mudanças nos contextos de saúde com maior valorização das práticas preventivas e estruturação da telemedicina”, estima a infectologista.

Questionada se os especialistas já têm uma previsão de quando a situação voltará a ser como antes, a médica é categórica: “A resposta para essa pergunta é anseiada por muitos. Existem algumas previsões, porém nada substancial, uma vez que o fim da pandemia depende de muitas questões de saúde pública, políticas e sociais. A certeza que temos é: para chegarmos ao fim dessa situação, precisamos da contribuição de cada um no combate à propagação do vírus”.

Já a psicóloga Alessandra Augusto prevê um esgotamento em longo prazo. “Nós já vimos muito sobre a síndrome de burnout, que afeta os trabalhadores esgotados. A gente fala do esgotamento profissional e mental. Já havia alguns indivíduos que tinham excessos e sofriam por conta disso. Com a pandemia, juntamente com algumas dificuldades financeiras, não só aumentou a dificuldade para trabalhar, como também quem está trabalhando aumentou a sua demanda no trabalho. Então haverá esse esgotamento pós pandemia, infelizmente”, diz.

Segundo a psicóloga, após a pandemia, passaremos por um grande processo de revitalização da nossa economia e recolocação no mercado de trabalho. “Uma vez que passamos por alguns experiências, não voltamos a ser como era antes. Mas precisamos de resiliência. Ressignificar o que aconteceu. Mas retornar a aquela inocência, aquele estado antes da experiência, não tem como”, pontua Alessandra

Para os trabalhadores, a especialista recomenda buscar ajuda psicológica. “E não precisa esperar acabar a pandemia. Muitas plataformas foram criadas com serviços gratuitos. Nossa sensação é que teve uma lacuna de tempo, que 2020 ficou uma lacuna. E muitos estão com dificuldade de encarar 2021 por conta dessa lacuna. A sensação de que 2020 não existiu. Mas existiu, e é muito importante estar com a saúde mental em equilíbrio. Sem a saúde mental, fica muito difícil passarmos por esse momento”, conclui.

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