Violência doméstica na quarentena tem ocorrido até em relações antes tidas como saudáveis

Desde o início do isolamento social por conta da pandemia de COVID-19, o Brasil registrou um aumento nos casos de violência doméstica preocupante. Logo nos primeiros dias de quarentena, ainda em março, o Ligue 180 já registrava um aumento de 9% nas denúncias de agressão contra a mulher, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Em abril, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro registrou um aumento de 50% nos casos de violência doméstica durante o período de confinamento, enquanto, no estado de São Paulo, o número de mulheres assassinadas dentro de casa dobrou na quarentena, de acordo com o Observatório da Mulher contra a Violência, do Senado Federal.

Em meio à trágica realidade da mulher brasileira, um importante detalhe foi constatado pela psicóloga Alessandra Augusto: conforme ela observou em clínica, o episódio de agressão, em muitos casos, foi inédito no relacionamento. Isto significa que algumas mulheres que estavam em uma relação vista como saudável e pacífica antes da quarentena foram negativamente surpreendidas com esta grave situação após o início do isolamento.

Para a profissional, o período atípico acelerou as etapas de um relacionamento abusivo e antecipou comportamentos violentos que, provavelmente, se revelariam de qualquer forma, porém mais adiante na relação.

Violência doméstica em relações pacíficas na quarentena

De acordo com a psicóloga, assim como queixas relacionadas à depressão e à ansiedade, relatos de violência doméstica têm sido algo frequentemente feitos por pacientes nas sessões de terapia, e estas demonstrações agressivas (tanto físicas quanto psicológicas e patrimoniais) estão se manifestando até em namoros ou casamentos que eram, até então, considerados saudáveis pelas vítimas ou mesmo por terceiros.

“A violência doméstica aumentou demais. Aquele estresse cotidiano, com o isolamento da quarentena, se potencializa. Tenho relatos de mulheres com relacionamento estável que, agora, estão em risco de violência doméstica e patrimonial”, afirma a terapeuta, explicando que a quarentena pode ter acelerado desfechos que, apesar de inevitáveis, poderiam demorar a ocorrer.

Conforme explica a psicóloga, a imposição de uma rotina totalmente diferente e limitada na vida das pessoas estremeceu a relação de quem convive no dia a dia. “Até aquela clássica tomada de decisão que antes poderia ser pacífica, como mudar o canal da televisão ou decidir qual vai ser o jantar, ficou mais tensa. Hoje, não tem passeios, as saídas não existem e tudo é compartilhado”, afirma a psicóloga.

Isso, somado às incertezas, às possíveis dificuldades financeiras causadas pela pandemia de COVID-19 e ao aumento das responsabilidades, é um cenário que deixa todo mundo mais sensível, e indivíduos que já têm um traço agressivo na personalidade (e, portanto, o potencial de expressar isso a qualquer momento), podem ter demonstrado isso mais precocemente do que fariam em outras circunstâncias.

“Essa desesperança e essas situações podem ter acelerado esse desgaste no núcleo familiar, um desgaste que poderia levar algum tempo para acontecer”, afirma ela, ressaltando que agressores podem não ter dado sinais claros de agressividade no relacionamento até o momento da quarentena – e que, quando os sinais existem, muitas vezes são confundidos com amor e romantismo.

“O namoro começa legal, romântico, sedutor, porque ele quer conquistar. Ele conquista, começa a ser abusivo com limites, com castração, ciúmes excessivos, e a mulher entra nesse relacionamento entendendo isso como muito amor, apego, zelo”, explica Alessandra. Ela lembra ainda que nem todo relacionamento abusivo se torna fisicamente violento, mas que a situação atual pode ter sido a “gota d’água” para muitos.

“A quarentena não tornou esse indivíduo agressivo – ele já é. Isso pode ter se intensificado com a quarentena, e ela pode ter sido uma oportunidade de essa agressividade vir à tona. Em algum momento, ele entendeu que perdeu o controle sobre a parceira. Mesclando isso à questão financeira, o medo do futuro, ele pode demonstrar esse traço agressivo”, afirma a terapeuta.

“Agir com violência é uma escolha”

Ela deixa claro, porém, que ainda que a agressividade faça parte da personalidade de uma pessoa e tenha sido socialmente construída a partir de um passado violento, educação conservadora ou outras circunstâncias, o indivíduo tem autonomia sobre as próprias ações. “Ele pode escolher se tornar um agressor ou não”, afirma ela, explicando que nem todo mundo que se acha incapaz de controlar as próprias emoções e está em uma situação como a atual reage com violência.

Segundo a terapeuta, assim como outras questões emocionais, ter um traço agressivo na personalidade é algo que indica necessidade de buscar um tratamento psicológico. Desta forma, a pessoa desenvolve percepções sobre si mesma, além de ganhar ferramentas para lidar com possíveis descontroles emocionais e situações adversas, controlando a agressividade em vez de manifestá-la em forma de violência.

“O indivíduo com personalidade agressiva pode estar temperado com essa emoção da raiva – mas, na hora, ele pode lançar mão de suas habilidades emocionais, trazendo equilíbrio. Ele tem a opção de não lançar mão dessa agressividade tanto no cotidiano quanto em situações como a quarentena”, diz, enfatizando que, uma vez violenta, a pessoa deve ser responsabilizada pelos atos, e não isenta de culpa devido ao momento ou a um traço de personalidade.

Mulheres: como se proteger

Além de aconselhar que as pessoas tomem ciúmes excessivos e outros tipos de imposições em relacionamento como abusos e busquem formas de sair destas situações, a psicóloga indica que mulheres vítimas de violência doméstica busquem uma rede de apoio. “Denuncie, procure ajuda, não se cale, fale. Hoje, nós temos vários serviços de rede de apoio”, afirma Alessandra.

Para denunciar situações de violência, é possível entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher pelo telefone discando 180 (para mulheres com mais de 18 anos) ou com a central de Direitos Humanos discando 100 (para menores de idade, idosos e demais populações vulneráveis). Os serviços funcionam 24 horas por dia e as ligações são inteiramente gratuitas.

Além disso, caso não seja possível falar ao telefone, é possível usar o aplicativo Direitos Humanos Brasil, disponível tanto para Android quanto para IOS, ou entrar em contato com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos pelo site da instituição, onde é possível realizar denúncias por formulário ou por meio de um chat. Buscar auxílio com pessoas confiáveis como familiares e amigos também é aconselhável.

FONTE:

vix.com /

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